Maria Clara

A vida simples no interior de Minas Gerais, a ausência da mãe e de direitos básicos como a educação, fez com que Maria Clara vivesse uma infância com constantes mudanças de casa. Seu pai trabalhava na roça e só conseguia ver os filhos quinzenalmente, fazendo com que ela e seus irmãos ficassem sob os cuidados de parentes em Córrego do Aventureiro-MG.

Essa fase dos primeiros anos de vida é marcada por lembranças do trabalho realizado na zona rural como plantar e colher “eu aprendi a roçar, eu aprendi a capinar, eu aprendi a plantar, eu aprendi a zelar”. Destaca que suas tarefas não ficavam limitadas ao cuidado da terra “então, dali da roça eu já aprendi também o fogão, porque eu tinha que estar plantando mas tinha que estar cozinhando também. Né?”

Maria Clara compara sua jornada como uma escola, da qual nunca teve acesso, e sua história de vida como estágios “como fosse a professora pegar um aluno, né? Que ele nunca foi na escola como eu, eu nunca fui na escola, mas eu entendo que deve ser assim, né? Pega o aluno que ele nunca foi na escola e ele vai ter uma trajetória de conversa e passando de mão pra mão até se formar aquilo que precisa. Então assim é a minha vida.”

Após seu casamento, mudou-se para Penha do Capim, distrito localizado na cidade de Aimorés-MG, onde começou a trabalhar como lavadeira para ajudar no sustento da família   “casei na Penha do Capim. Meu registro de casamento é de lá da Penha do Capim. Aí dali eu vim pra cidade. Na cidade o que que eu fui fazer na cidade? Criar filho e lavar roupa, lavadeira.”

A experiência de perder quatro filhos para doenças que eram consideradas sem cura pelos médicos locais, fez com que sua família tomasse a decisão de se mudar para o Espírito Santo em busca de tratamento para o filho mais novo: “eu vim pra Vitória trazendo o filho no colo quase morto. Mas Deus deu ele vida de novo porque foi tratado aqui”

No ES sua caminhada começa em Itaquari, no município de Cariacica, onde morou pouco tempo, segue para Ilha das Flores em Vila Velha onde morou por dois anos numa casa de sapê. Após algum tempo estabelecida no ES e com trabalho, decide voltar a Aimorés para vender a casa onde morava. Com o dinheiro e algumas economias, comprou um lote no morro do Garrido, próximo ao Hospital Evangélico, onde demoraram seis meses para construir o barraco de madeira.

Morar num local mais alto sendo lavadeira, demandava um grande esforço físico e foi então que uma família conhecida que morava no Aribiri sugeriu a troca dos imóveis porque desejavam morar perto dos parentes em Garrido. Essa decisão favoreceu a ambas famílias pois era mais perto do emprego do marido de Maria Clara e facilitava a entrega das roupas de seus clientes que era feita a pé.

A moradia em Aribiri se tornou definitiva até os dias de hoje, onde vive próxima de quatro dos seus seis filhos, porém sua trajetória não para por aí: a luta por direitos faz com que Maria Clara aceite o desafio de ser uma liderança e isso permite que ela transite em muitos territórios na busca de moradia digna para o povo. Sendo assim, iniciou sua atuação próximo de sua casa, no Bairro Dom João, uma ocupação numa área de manguezal que se tornou um bairro de Vila Velha no início dos anos 80.

Onde tinha a população sem teto, Maria Clara estava presente com o Movimento de Luta pela Moradia, para organizar o povo e reivindicar o direito à moradia digna. Assim foram cerca de 40 anos de luta passando por vários bairros de Vila Velha, como Vale Encantado, Terra Vermelha, Santa Rita, Vila Guaranhuns, São Pedro em Vitória, municípios de Cariacica, Serra, Guarapari, Colatina, Baixo Guandu, Aracruz, Linhares, etc.

 “Serra, minha filha, se eu te levar você nos conjunto de Serra, Cariacica, Viana, Aracruz, tudo isso. Eu queria até um dia que Deus ajudasse, minha filha vai me levar lá, tem tempo que eu não vou lá e lá tem o conjunto que foi criado lá, nós ocupamos.” Relembra sobre os tempos de luta e revela o desejo de visitar os bairros criados a partir da organização social.

Toda essa trajetória tornou Maria Clara uma referência estadual e nacional na construção do Movimento Nacional de Luta por Mordia (MNLM).

Fotos por Isabele Colares