Aparato jurídico/policial

Retrata as relações estabelecidas entre os movimentos de ocupações com o aparato policial e judicial e suas funções, muitas vezes, contraditórias entre proteção e controle da população, a força do Estado e a negligência dos direitos. 

“[A GENTE ESTÁ] TRATANDO DE COISA QUE NOS DÁ A VIDA”

Maria Clara

“Quando eu precisar da polícia eu vou buscar.”

As relações de uma vida que se põe em luta por direitos, esbarram cotidianamente em processos de judicialização de suas causas e movimentos. Dona Maria Clara, em sua ampla experiência em disputas narrativas e jurídicas, com a coragem que lhe é peculiar, anuncia a localização das relações com o aparato policial e suas funções: “E falei com a polícia, Quando vocês for chamado, seja pelo prefeito ou pelo governo, pra vim  aonde a gente está, tratando de coisa que nos dá a vida, vocês vão tratar de segurar o governo”. O tensionamento entre um aparato que protege ou constrange a população fica ilustrado nas palavras de Dona Maria. Em meio a muitos embates, a força da resistência salta aos olhos, denunciando o que muitas vezes pode ser falado como proteção, mas tem a intenção de controle da população. 

Rafaela

“Busquei a defensoria, a defensoria foi lá explicar algumas coisas do nosso direito, dos nossos deveres. “

Rafaela nos mostra que a ousadia, a curiosidade e a coragem são o que dão envergadura aos processos reivindicatórios pela garantia de direitos que são constantemente negligenciados no contexto da luta por moradia. Ela recorda que muitas conquistas se deram devido a sua capacidade de articulação junto com apoiadores e parceiros para encontrar, em meio ao âmbito legislativo e jurídico, respostas concretas sobre os direitos básicos que devem ser assegurados a qualquer cidadão. “Busquei a defensoria, a defensoria foi lá explicar algumas coisas do nosso direito, dos nossos deveres”, narra Rafaela. Ainda assim, através dos seus relatos, fica evidente a vulnerabilidade dessas pessoas frente à força destituinte dos aparelhos de Estado. Sobre um dos processos de reintegração de posse que vivenciou, Rafaela diz: “Aconteceu a desocupação desse terreno, a ordem judicial chegou e ali eu já estava me planejando de construir minha casa”

Baiana

“Ele assinou falando que não tinha nenhum interesse de ter isso aqui como uma área para moradia.”

O acirramento da disputa pela terra e os enfrentamentos judiciais e políticos que acontecem cotidianamente nos contextos de luta por moradia, colocam Baiana frente a frente às práticas do Estado que ora negligenciam as demandas dos ocupantes – “Ligava pra polícia e ela não vinha. Eles ligavam pra todo mundo e não vinha. Tinha mais de duas horas ligando” – ora criminalizam e constrangem seus movimentos – “… falou que não podia botar água lá e que ia retirar todo mundo de lá dessa ocupação”. Em sua narrativa, Baiana faz denúncias à operação contraditória e, muitas vezes, violenta que os aparelhos de Estado desenvolvem na relação com os contextos de ocupação. Ao mesmo tempo, anuncia as estratégias que vai construindo, através da sabedoria da luta, de acesso a instâncias políticas e jurídicas para promover articulações que garantam a defesa e afirmação de direitos.