Adriana (baiana)

A luta pela moradia nasce com a própria existência de Adriana, mais conhecida como Baiana. Nascida em Salvador, com o pai vaqueiro e a mãe sempre trabalhando em roça de cacau, mudar de casa era uma rotina “são quatorze irmãos e aí nós nunca teve casa, moradia, a gente mudava de fazenda em fazenda de lugar em lugar”. No início da adolescência, sua irmã partiu para São Paulo em busca de melhores condições de vida. Baiana, que vinha de uma família grande, decidiu seguir com a irmã.

Com uma condição financeira precária, conseguiram um pouco dinheiro suficiente para chegar até São Mateus, no Espírito Santo. “Em São Mateus ele [o cunhado] saiu pedindo nas ruas e conseguiu dinheiro para ir até Vitória (…) a gente ficou em Vitória…nossa, a cidade é muito linda”, relata Baiana.

 

Sem recursos para seguir viagem e sem dinheiro para se alimentarem, Baiana permaneceu na rodoviária de Vitória com as crianças enquanto sua irmã e o cunhado buscavam ajuda. Nesse dia, conheceram uma pessoa que estava em uma ocupação em Cariacica, conhecida como Nova Esperança. “Aí ele levou nós pra lá (…). Aí deu barraco para nós ficar lá eu, minha irmã e as crianças”, sendo essa sua primeira experiência numa ocupação, que perdura por sete meses.

O dia a dia presenciando cenas das mais diversas violações aos direitos humanos, faz com que sua família se mude para Barramares, em Vila Velha. “Aí nós ficamos sabendo que um pessoal que vinha pra aqui, pro Barramares. E aí o caminhão chegou, minha irmã aproveitou e jogou as coisas lá dentro. Quando eu vi, a gente já tava aqui em Vila Velha.

Aos quinze, com a gravidez da primeira filha, Adriana chega a voltar para a Bahia para os cuidados de sua mãe, no entanto, o pai não recebeu bem a notícia de sua gravidez, fazendo-a novamente sair de casa, permanecendo na Bahia, em um barraco temporário como moradia. Em meio às tantas dificuldades de uma moradia improvisada e pagamentos incertos de aluguel, Baiana consegue um novo terreno, constrói uma nova moradia com dois cômodos, se casa e tem seus outros três filhos.

Nas andanças de sua vida, também teve uma passagem por São Paulo, ao encontro de sua irmã: “Lá era onde minha irmã estava. Aí fiquei lá na minha irmã por três meses, com quatro crianças e treze pessoas“. Com a trajetória de uma mãe solo, Adriana relata que em “todo lugar que tentava casa para alugar, perguntava assim: ‘é você seu marido e mais quantos?’, aí eu respondia ‘não, não tenho marido não… é eu, um adolescente de doze anos, outro de sete, um de três e outro de um aninho’“. Com essa afirmação, Adriana relata ter recebido inúmeras negativas de aluguel: “Fiquei seis meses nesse sofrimento. Aí de tanto andar e não achar, um dia andando na cidade vi que tinha uma casa abandonada. Falei com minha irmã ‘ó, vou entrar para dentro dessa casa aqui“.

Em mais um episódio de perda de moradia, a casa foi vendida e Baiana retornou com a família para o local anterior. Em Barramares, toma conhecimento dos anúncios de uma nova ocupação; em suas palavras: “estão fazendo invasão ali, vamos lá. Aí nós fomos para a invasão, era lá naquele terreno da Rodovia do Sol. Entrou mais de duas mil pessoas de vez“.

Ao longo de mais de uma década, Baiana constrói sua vida e afetos nesse território, com outras mudanças e a permanência por aproximadamente quatro anos em uma unidade dos chamados “predinhos”, construídos pelo Programa Minha Casa Minha Vida, do governo federal. Baiana conta que a relação com as ocupações marcaram sua vida: “Porque eu estou dando meu tempo, minha vida aqui dentro. Nossa, aqui eu tenho uma história… e durante trinta anos da minha vida eu não vivi essa história que eu vivi aqui dentro”.

Baiana destaca as violências, agressões e episódios de racismo a que a que foi submetida: “sofri muito racismo… eu tinha uma patroa que botava pra limpar o quintal, isso aqui meu comeu tudinho meus joelho e tinha os elevador ela não deixava eu nem subi no elevador de lixo, aonde que joga o lixo que é aquele… tinha que subi a escada entendeu? Então já tive várias situações“.

Com sua construção enquanto mulher forjada nesse cenário de precarização e violação de direitos, sem amparo do Estado, Adriana junta suas forças e as transforma em luta cotidiana. Sem a romantização das precariedades, mas com a potência do trabalho comunitário, Adriana se torna uma das maiores referências atuais em liderança na luta por moradia no Espírito Santo. Sua atuação junto à Vila Esperança, em Jabaeté, hoje é local de projetos, sonhos e disputas incessantes.

Fotos por Isabele Colares