Políticas Públicas/Proteção Social
As relações de acesso (ou não) das políticas públicas denunciam a precarização e condição de desproteção das vidas produzidas a partir da negação de direitos pelo Estado. Nessa trama, a contribuição do movimento social para elaboração das políticas públicas surge também como forma de enfrentamento e resistência para permanência na luta.
“QUEM NEGAR NOSSOS DIREITOS, SERÁ NEGADO TAMBÉM!”
Maria Clara
“Nós criamos o Estatuto da Cidade.”
A fala marcante de Dona Maria Clara anuncia nunca ter ido à escola. Também lembra não ter acesso a linha de ônibus, sendo a maior parte de seu deslocamento feito a pé. Ao evocar essas memórias, Maria Clara reflete a história de tantas famílias que hoje se situam em territórios de ocupação. Com maiores ou menores condições de acesso a direitos básicos como educação, saúde, assistência social, mobilidade urbana, moradia, trabalho, entre outras dimensões de políticas públicas, as famílias que se organizam coletivamente em busca de moradia, denunciam as precarizações produzidas pela negação da oferta de direitos pelo Estado. Boa parte das vezes, é no enfrentamento promovido pelos movimentos sociais que políticas são pensadas para acessar (minimamente) as demandas da população. Com orgulho da conquista registrada na história do movimento de moradia, Dona Maria afirma: “Nós criamos o estatuto da cidade! Não sei se você já viu falar… o estatuto da cidade foi criado com o pensamento nosso, pensamento assentado assim: o que que nós podemos fazer?”.
Rafaela
“O intuito da nossa ocupação sempre foi não só fazer a política por moradia, mas se definir a moradia das pessoas que estão nessa luta.”
Rafaela nos narra um cenário de profunda desproteção social que incide sobre as existências de quem está inserido na luta por moradia. Ela relata cenas que escancaram as lacunas das políticas públicas de saúde, educação, assistência social e, claro, de habitação. Nesse sentido, ela nos conta uma experiência que tiveram na tentativa de se cadastrarem em uma Unidade de Saúde. “Porque a diretora [da UBS] falou que é muito fácil, né? Você ocupar o imóvel, não pagar IPTU, não pagar imposto e você ter direito, né? (…) Ai eu falei: Por que que nós não podemos ser cadastrados? Aonde que está na lei que a ocupação não pode ter direito a saúde? (…) Ai eu fui nos direitos humanos pedi pra ter um esclarecimento nesse sentido rapidinho ela cadastrou a gente entendeu?”. Isso mostra que as articulações que Rafaela constrói, somado a sua formação política dentro do movimento, têm sido fundamentais na criação de estratégias de fortalecimento da ocupação.
Baiana
“Independente se tá registrado ou não a gente tá lidando com pessoas, então por isso política pública aqui dentro nem existe.”
A trajetória de luta para assegurar o acesso às políticas públicas de Baiana começa em garantir que os seus filhos tenham acesso à saúde e educação, se o Estado se ausenta, Baiana encontra outras linhas de garantia, mas sem deixar de pontuar que o Estado tem faltado. Baiana faz um apontamento importante que evidencia a situação de tantas famílias no que diz respeito ao acesso às políticas públicas, que é a ausência dessas políticas e quando chegam é de forma sucateada, enfraquecida. Na Vila Esperança não há posto de saúde Baiana diz que “aqui dentro [Vila Esperança] aqui está esquecido” ou ainda “política pública aqui dentro [Vila Esperança] nem existe”, para conseguir acesso a saúde é preciso ir em Pronto Atendimento (PA) de bairros das redondezas. Os moradores do território recorrem ao PA por ser mais rápido, diferente dos postos de saúde em que o acesso é precarizado, Baiana vai contando dessas dificuldades como, por exemplo, as vagas que são disponibilizadas no site “mas o site está sempre lotado” e assim nunca se consegue marcar uma consulta. Ao narrar as fragilidades das políticas públicas, Baiana aponta a importância da efetividade das políticas de saúde, de educação e tantas outras, não bastando que existam políticas públicas, mas que funcionem de modo a garantir o acesso da população.