Espaço/Ocupação

Ocupar diz de muitos movimentos. Desde as disputas pelo espaço, até a constituição de lugares políticos e afetivos que posicionem os sujeitos no mundo. 

“NÃO É SÓ OCUPAR, É TRABALHO DE BASE”

Maria Clara

 “Mas eu sei que tem muita terra.”

Maria Clara se refere com afeto ao “barraquinho” que conseguiu comprar ao chegar de mudança no Espírito Santo, em busca de cuidados para seu filho. Relata também a luta de muitas famílias que se avizinhavam a seu território, sem lugares para morar e sem condições para trabalhar, especialmente as mulheres mães. Na construção da luta, a terra em que não se vê plantar “um caroço de feijão em lugar nenhum”, se torna campo possível para a instalação de famílias que, em função da negação de seus direitos, precisam lutar por um lar. Maria Clara ressalta ainda, uma relação comum de trânsito entre o campo e a cidade; a demanda por infraestrutura de ruas e habitações; a necessidade de entendimento sobre a história das famílias com seus territórios; e a produção afetiva da ideia de um lar. Com uma visão ampla dos movimentos, Maria Clara anuncia: “A gente sabia como é que estava [a situação] dos estados do Brasil. E o Espírito Santo, como é que estavam nessa situação? Pessoas sem as casas”. Assim, de articulação em articulação, a luta pela moradia no estado do Espírito Santo foi sendo construída pelas mãos de Dona Maria. 

Rafaela

“Quando a gente vai ocupar um prédio, não é só ocupar, nós tem um trabalho de base.”

A somatória das experiências que acumulou durante sua passagem por diversas ocupações conferiu à Rafaela a prudência em buscar manter o espaço interno sempre organizado, com regras próprias que orientam a relação com o espaço e incentivam um bom convívio entre os ocupantes. Ela explicita que o cuidado com as pessoas está intimamente vinculado ao cuidado com o espaço em que habitam. Indo além, Rafaela demarca que o manejo da organização interna tem em perspectiva construir uma imagem consistente para a ocupação perante a sociedade, associando a preservação do lugar em que ocupam como parte integrante do trabalho de base para a afirmação da luta pela moradia. “A gente foi se organizando dentro do espaço, nós começamos a se empoderar e conseguir cobrar os nossos direitos. (…) Quando a gente vai ocupar um prédio, não é só ocupar, nós tem um trabalho de base”, diz Rafaela. Dessa forma, ela demonstra que o cuidado com o espaço da ocupação possui um direcionamento formativo para a luta política. 

Baiana

“E gente, o pessoal está aqui querendo morar, então é o quê? Tem que morar. “

O cotidiano da Vila Esperança remete a uma história que Baiana rememora que iniciou nos anos de 2016, quando os primeiros lotes já estavam sendo “tirados”. Com o passar do tempo, os moradores vão se fortalecendo e segundo Baiana “demarcamos tudinho, botamos as numeração das quadras, numeração de lote e fazendo as carteirinhas.”. Desde então, torna-se uma ocupação organizada e alicerçada na luta pela moradia, mas que está fundamentada também em manter uma zona de cuidado, de comunhão entre a liderança e os moradores do bairro. Baiana conta: “[as pessoas que chegam] almoçam com a gente aqui, faço um almoço deles e atendo as necessidades”. Esse almoço é preparado com os mantimentos que a própria horta da Vila Esperança fornece, como o aipim que é consumido a semana toda junto da carne. No cotidiano da ocupação existem outras estratégias que Baiana apresenta, tal como as elaboradas em torno da distribuição de água e energia, além das reuniões e assembleias que acontecem como uma forma de manutenção da união, da compreensão e de tantas outras práticas pertinentes para o funcionamento do bairro.